sábado, 26 de julho de 2014

TEMPOS DE MENINO - Parte I

Desperta para o universo em que vivia no mês de maio, numa manhã em que estava às margens d’um rio; o rio da sua vida.
Sentiu-se abraçado pelo vento que soprava vindo das bandas das serras que se avistam no outro lado.
Contam os moradores mais antigos dos arrabaldes, que outrora, aquelas serras eram caminhos de aventureiros que buscavam diamantes ao longo das águas.
Deparou-se consigo num estalo, de repente. Era um ser que respirava, via lá longe um azul quase cinzento e nesse azul percebia que alguma coisa o incomodava e acenava como se o chamasse, a ir mais adiante.
Era como se voasse sem sair do lugar que estava sentado, no banco que fica na praça em frente ao rio. Cada vez mais ele entrava na distante paisagem que se formava diante dos seus olhos; um mundo novo para quem desbrava pensamentos incontidos de curiosidades.
Era um menino. E Menino voa?... Esse aprendeu a voar; voava sempre às margens do rio da sua vida, somente às margens ele podia ficar, dizia sua mãe, pois nadar no rio era proibido.
_ Água não tem cabelo! – falava a mãe.
A mãe do menino recomendava para ele não brincar nas águas; aquele rio era enganoso e cheio de “peral” que engolia as pessoas, mesmo àquelas que sabiam nadar. Sua mãe só não o proibiu de voar, pois, isso ele fazia escondido.
Voava sobre o rio semelhante a uma gaivota, ensaiando a dança dos ventos para em seguida mergulhar nas águas e cumprir o ritual da cadeia alimentar, tão necessária ao equilíbrio ecológico.
Os lugares que via ao voar, ninguém conseguia ver, somente ele.
Em um desses passeios ainda no mês de maio, compreendeu a razão de tantas viagens rumo àquele azul cinzento que ficava além d’onde morava. Lá estava um pouco dos seus sonhos guardados em prateleiras de madeira, junto à parede de barro de uma casa coberta com palhas de piaçava.
Ele pensava, logo, seus pensamentos criavam asas e rumavam ao desconhecido, sem se deter no trivialismo de ser normal. Era o sentido de existir, a plena consistência de fazer parte de um universo que poucos privilegiados conhecem; o universo da imaginação.
Outro dia, que não era no mês de maio, subiu em uma árvore que não estava à beira do rio e viu entusiasmado o sol se pondo. Conhecedor da arte de voar perambulou em direção à luz, e lá, encontrou serras e montanhas, ficou maravilhado com a nova paisagem e indagou-se:
- Quem construiu tamanha beleza?
Subiu e desceu as serras, andou por vales e mergulhou em riachos que desce no sentido do rio de areias brancas.
 Envolto na beleza e no ar das descobertas momentâneas, não notou a presença de sua mãe, e, escutava longe alguém chamando o seu nome, apurou bem os ouvidos, e realmente alguém o cha- mava por várias vezes seguidas, olhou para baixo e viu sua mãe; ela tinha descoberto o seu mais recente esconderijo de sonhos.
Desceu. Não do voo, mas da árvore e foi atender a sua mãe. Era um menino obediente, no entanto se zangava ao ter que ir levar recado pra alguém, afinal, os adultos pensam que os meninos só servem para dar recados ou comprar sabão na quitanda da esquina.
No rio da sua vida as praias eram a continuação da rua de sua casa, ou vice-versa, às vezes ele não sabia a necessária ordem lógica dessa descrição.
Quando estava na praia, frequentemente acontecia um evento clássico, foi lá que viu a olhos nus os ventos dançando e as águas banzeirando como se aplaudissem o espetáculo sobrenatural da brisa arteira.
Ao andar pelas ruas da cidadezinha onde nascera, ficava observando o tremular do calor sobre as ruas de areão e queria saber por que suas vistas tremiam olhando ao longe no exato momento em que o sol estava ao meio dia.
As manias que possuía eram saudáveis para um menino, não para os adultos. Tomava banho de sol, sentindo a ardência dos raios na pele. Como os pardais faziam empoleirados na cerca que dividia os quintais dos vizinhos.
Coincidência ou não o menino e os passarinhos gostavam muito de viver naquela cidade, com as ruas de areão e cheia de árvores para subir e ver as serras longínquas, aonde o sol se esconde para dormir. Costumava dizer aos outros meninos que moravam na mes- ma rua e aos demais da vizinhança, que seria cientista quando crescesse, e eles riam, caçoando dos seus sonhos de criança. Sem se preocupar com as palavras, dizia também que tinha vontade de saber onde Deus morava, e os adultos comentavam: esse menino não anda muito certo da cabeça, a muita leitura não está lhe fazendo bem. Um sonhador com certeza. Voava nas asas do seu imaginário, sempre que estava em qualquer lugar que tivesse a conotação do rio da sua vida, ou da árvore-esconderijo de sonhos.
Nas brincadeiras de criança, à noite, ele olhava para o céu e queria saber por que o céu ficava diferente, se existia mesmo um homem montado num cavalo lá na lua.
Durante o dia ele tomava as asas do pensamento e sumia na imensidão do azul cinzento, daquela infância. Milhares de indagações campeavam o universo da existência do menino que sonhava em ser cientista e queria saber onde era a morada de Deus.
O enorme rádio de pilha que ficava sobre a mesa da cozinha, era a única coisa que prendia a sua atenção quando não estava na escola, ou viajando pelo infinito sobre o rio que descia para onde ele sempre quis saber, também.
Raro momento de quietude o acometia somente ao ouvir as estórias contadas nas ondas curtas do rádio.
Aguçou sua vontade de conhecer pessoas que moravam longe de verdade, não as personagens das aventuras vividas por ele. Mas, pessoas que falavam dentro daquele rádio enorme, que ficava na mesa da cozinha.
O chiado que o rádio mal sintonizado fazia não o impedia de viver as estórias apresentadas por tia Leninha, da rádio nacional da Amazônia.
Ao rio que margeava sua existência, começou a recorrer para se alimentar e aproveitava para se divertir; nadar sem sua mãe saber.
A confusão se formava ao chegar a sua casa com seu irmão mais velho e alguns peixinhos pescados no caniço e anzol. O irmão do menino dizia para a mãe:
-Ele passou o tempo todo pulando na água e espantando os peixes, da outra vez eu vou só.
O menino retrucava:
 - Tudo bem eu não quero ir mesmo, não gosto de pescar!


O que ele gostava era de sonhar e olhar as nuvens que andavam, vindo lá daquele lado desconhecido do rio e que passavam para o lado de cá, se juntando umas às outras, desenhando os anseios do existir no cosmo intelectual do menino que aprendeu a voar à beira de um rio.

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